Uma das grandes funções da catequese é ajudar a fazer uma
leitura bíblica que não seja compartimentada, que veja as orientações da
Escritura dentro do conjunto maior da evolução da mensagem. Textos escritos em
uma determinada época vão refletir as preocupações do povo com o que acontecia
no momento. É possível que, em outra situação, o texto bíblico aponte para algo
diferente, porque o contexto mudou e porque, pedagogicamente, Deus faz a
mensagem evoluir junto com a compreensão do possível leitor. Isso não é
relativizar a Bíblia, é vê-la dentro do processo de encarnação em que foi
composta. Assim temos, por exemplo, textos como Dt 5,9-10, dizendo
que Deus vai castigar a culpa dos pais nos filhos e Ez 18,20 (entre outros),
afirmando que cada um só será responsabilizado por seus próprios atos. Da mesma
forma, temos muitos textos bíblicos que ordenam distância do estrangeiro, visto
como perigo para a pureza da fé, e outros que mandam tratar bem o estrangeiro.
Há até estrangeiros valorizados como bons servidores do povo,
como a moabita Rute, que vai ser bisavó de Davi, e Ciro, o conquistador
estrangeiro que permite o retorno dos que estavam exilados na Babilônia.
Nos evangelhos, vemos Jesus em contato com dois
grupos que podem ser colocados sob o título de “diferentes” em relação ao
judaísmo oficial: os samaritanos e os romanos.
Os samaritanos estavam mal vistos desde o exílio.
Os sacerdotes e outros membros influentes do povo haviam sido deportados. Os
que permaneceram na terra eram os trabalhadores menos instruídos, necessários
ao cultivo do solo, que estão na origem do grupo dos samaritanos. Sem apoio e
instrução religiosa, misturaram-se aos povos vizinhos e perderam o que, aos
olhos das autoridades, era considerado “pureza da fé”. Por isso foram
rejeitados quando, depois da volta dos exilados, se ofereceram para ajudar na
reconstrução do templo.
E como Jesus trata esses samaritanos? É fácil
perceber que no evangelho são mencionados os samaritanos quando se quer dizer
que o que conta mesmo é uma atitude correta. Jesus conversa com a samaritana,
que o reconhece como profeta, quer saber sinceramente como se deve adorar Deus
e depois faz outros samaritanos acreditarem nele.
Na cura dos dez leprosos, é samaritano o que vai
ser elogiado porque foi capaz de voltar para agradecer. A famosa parábola do
socorro ao homem ferido, caído na estrada, gerou o termo “bom samaritano”, que
é usado até hoje, mesmo entre os que não são muito religiosos, como sinal de
caridade e atenção ao próximo.
E os romanos? Esses podiam até ser considerados
inimigos: dominavam o povo exigindo impostos, tinham outra religião,
crucificaram Jesus. Mas o evangelho nos mostra um centurião romano procurando
Jesus para curar seu empregado e sendo depois elogiado quando Jesus lhe diz:
“em ninguém em Israel encontrei tanta fé” (Mt 8,10). Outro centurião romano, junto
com os que foram seus parceiros na tarefa de crucificar Jesus, foi o primeiro a
proclamar (antes mesmo dos apóstolos, que duvidaram dos primeiros testemunhos
da ressurreição) que “este era verdadeiramente Filho de Deus.” (Mt 27, 54)
Essa postura de Jesus pode ser resumida na
afirmação que encontramos em Mateus 7, 21: “Nem todo aquele que me diz:
‘Senhor! Senhor!’ entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a
vontade de meu Pai que está nos céus.”.
Trabalhando esses textos, a catequese tem uma boa
oportunidade de educar para a superação de preconceitos, mostrando que ninguém
deve ser julgado por um rótulo mal visto, mas é preciso considerar o valor de
cada um a partir de suas ações, de suas atitudes. No caso dos samaritanos, isso
nos faz pensar em pessoas que um dia tiveram estiveram próximas e depois se
separaram e se diferenciaram por circunstâncias históricas. Em se tratando dos
romanos, estão em cena religiões diferentes. Hoje a Igreja nos convida e entrar
em bom relacionamento com cristãos de outras Igrejas, reconhecendo o que neles
houver de bom, percebendo o que temos em comum. Em relação a outras religiões,
ela nos pede um diálogo respeitoso, que procura ver sinais da ação de Deus
também no outro.
Educar para o diálogo com o diferente é algo que
a catequese pode fazer como preparação de campo para o ecumenismo e o diálogo
inter-religioso. Mas será também um instrumento para a construção da paz e do
intercâmbio frutuoso de boas ideias de um modo mais geral porque assim cada um
estará sendo capacitado para lidar com a diversidade de maneira mais fraterna e
construtiva.
Therezinha Cruz
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