27 de set. de 2013

Quando as parábolas tiram o véu de nossos olhos

Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava sentado à porta do rico”  (Lc 16,20)


Toda vez que Jesus tem uma coisa importante para comunicar, ele cria uma história e conta uma parábola. Sabemos que, em toda parábola, o ouvinte passa por uma transformação interior; ele se abre porque ela o fascina, e, sem que perceba, a narrativa o leva a outro nível. De repente, o ouvinte se sente envolvido na cena. Algum aspecto seu, que até então havia permanecido no escuro, é iluminado; agora é capaz de se ver de modo diferente.

Uma parábola “dá o que pensar”. Por isso, é importante prestar atenção até nos seus mínimos detalhes. Dizem os especialistas que, quando Jesus contava parábolas, apelava aos sentimentos mais primários de seus ouvintes (muitas vezes adversários) para fazê-los mudar. Assim, ao contar a parábola da ovelha perdida, do filho pródigo que retorna à casa, estaria dizendo aos seus adversários: “Vocês não sentem compaixão por essa pobre gente? Não sentem revirar suas entranhas?”.

Talvez ao contar a parábola do “rico e de Lázaro”, estaria nos dizendo: “Vocês não se envergonham de viver em um mundo assim, de ricos e de lázaros, de milionários e de famintos?... Se esta parábola não provoca em nós nenhum tipo de incômodo, se não desperta nossa vergonha, se não nos faz sentir afetados  pelo que ali há  de insulto ao pobre, se não nos mobiliza para uma superação desse escândalo..., é sinal que a desumanização chegou ao fundo do poço.



Na parábola do evangelho de hoje aparecem três personagens: o pobre Lázaro, o rico sem nome e o pai Abraão. De um lado, a riqueza agressiva. Do outro, o pobre sem recurso, sem direitos, coberto de úlceras, impuro, sem ninguém que o acolhe, a não ser os cachorros que lambem suas feridas. O que separa os dois é a porta fechada da casa do rico.

A coexistência de riqueza e pobreza é, em si mesma, ruptura fundamental da solidariedade humana, negação de humanidade; é uma flagrante violação da convivência humana, ou seja, da própria natureza do fundamento dos direitos humanos.

“O luxo de uns converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas” (Puebla 28). O “rico e Lázaro” constituem um enorme escândalo em nosso mundo. É uma ofensa que se faz aos pobres pelo simples fato de serem indigentes ao lado de opulentos.

O foco para compreender o sentido da parábola é o pobre Lázaro, sentado à porta. Ele representa o grito calado dos pobres do tempo de Jesus e de todos os tempos. Deus vem até nós na pessoa do pobre, sentado à nossa porta, para nos ajudar a transpor o abismo intransponível que a riqueza criou.

A parábola é cheia de ironia. Para começar, o rico aparece sem “nome”: não ter nome naquela cultura era praticamente sinônimo de não existir; às vezes o rico é designado como “epulão”, mas é um adjetivo, que tem sua raiz no costume romano dos “épulos” ou banquetes; o pobre, pelo contrário, se chama “Lázaro”, ou seja, “Deus ajuda”. Ele tinha identidade; O rico era tão pobre que só tinha bens.

Com sua morte, o mendigo “é levado pelos anjos para o seio de Abraão”; o rico, pelo contrário, “morreu e foi enterrado”. O “seio de Abraão” é a fonte de vida, de onde nasceu o povo de Deus. Lázaro, o pobre, faz parte do povo de Abraão, do qual era excluído enquanto estava à porta do rico. O rico pensa ter fé e ser filho de Abraão; mas só há um jeito de estar com Abraão: abrir a porta ao necessitado. A salvação para o rico não é Lázaro trazer uma gota de água para refrescar-lhe a língua, mas é ele, o próprio rico, abrir a porta fechada para o pobre e, assim, transpor o grande abismo que os separa.

A chave de compreensão da parábola podemos encontrá-la justamente nesta expressão: “um grande abismo”. Um abismo que se revela não só após a morte, mas que ficara visível na indiferença do rico frente á presença do pobre à sua porta. Ele não tinha feito mal ao necessitado; simplesmente não o tinha visto. O rico não vê o pobre, não vê a Deus; não escuta o pobre, não escuta a Deus. Não está contra Deus , nem contra o pobre; unicamente está cego. A riqueza o cega e o impede de viver para o outro; a riqueza endurece seu coração e o torna insensível. Esse “não ver” (“olhos que não veem, coração que não sente”) é o que cria um abismo intransponível em nossas relações pessoais, em nossos países e em nosso mundo.

Por que caímos tão facilmente na indiferença? A indiferença diante dos outros e diante do mundo, esconde, sem dúvida, uma maior ou menor insensibilidade. Uma sensibilidade bloqueada ou endurecida isola a pessoa, deixa-a encapsulada em sua própria armadura egocêntrica e a instala em uma atitude indiferente – oposta à compaixão -, que está na origem das injustiças que diariamente vemos em nosso mundo. Em sua redoma protetora, o rico não vê os outros a não ser quando necessita deles, considerando-os como se fossem “objetos” a seu serviço; sua capacidade de amar fica bloqueada.

A compaixão é o sinal mais claro da maturidade humana; a indiferença, pelo contrário, revela  imaturidade e atrofia nossa humanidade. A vivência da compaixão requer uma sensibilidade limpa e uma afetividade livre. Tanto o endurecimento (ou petrificação) da sensibilidade como o bloqueio afetivo impedem sentir-com-os-outros.

A conclusão de tudo isso parece clara. Para viver a compaixão, precisamos, antes de mais nada, despertar nossa sensibilidade diante dos outros, sobretudo aqueles que estão à nossa porta e não os vemos.

A cegueira diante dos outros, sintoma de uma sensibilidade rígida ou congelada, torna impossível a compaixão. Precisamos restabelecer o contato com nossos sentimentos; despertada nossa capacidade de sentir, poderemos depois sentir-com-os-outros, ou seja, experimentar compaixão.

A transformação do coração exige uma renovação de nossa sensibilidade. O discípulo de Cristo, com sua sensibilidade cristificada, não fugirá da realidade das pessoas e da natureza, mas se relacionará com elas, buscando também nelas a presença de Deus. Nesse sentido, a sensibilidade cristificada é o motor da nossa vida e da nossa conduta. E os “abismos” serão superados.

Portanto, mediante uma acolhida contemplativa da Parábola, vamos transfigurando nossos sentidos e convertendo nossa sensibilidade, para aproximar-nos da realidade como Jesus se aproximava, com uma sensibilidade cada dia mais parecida com a d’Ele.  À medida que vai se realizando esta conversão de nossa sensibilidade, nós nos fazemos capazes de nos fazer presentes junto aos mais necessitados à maneira de Jesus de Nazaré, abrindo a porta de nossa casas para acolhê-los.

Texto bíblico:  Lc 16,19-31

Na oração: diante do mundo da exclusão e da miséria, quê sentimentos prevalecem: indiferença, compaixão, insensibilidade, espírito solidário...?


Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI

Fonte: Catequese Hoje

16 de set. de 2013

"Quem é o Senhor que move o meu coração?"


“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13)


Estamos diante de mais uma parábola "escandalosa" de Jesus, ou seja, um relato impactante e provocativo, que ajuda a “despertar” o ouvinte ou o leitor. Mas o que se trata na parábola não é da injustiça cometida nem da desonestidade do administrador, senão de sua astúcia. O objeto de louvor por parte de Jesus é a esperteza, a audácia e o empenho com que o administrador tira partido de uma situação presente tendo em vista garantir o futuro; Jesus elogia o administrador não porque roubou, mas porque teve presença de espírito, soube calcular bem as coisas e encontrar uma saída honrosa, enquanto havia tempo. E a “saída” do administrador, ameaçado de desemprego, foi fazer “amigos” para depois.

Não devemos imitá-lo na sua injustiça, mas na sua previdência. O administrador infiel é um filho deste mundo; deixa-se guiar pelo cuidado de sua existência terrena. Com esperteza, com decisão e sem escrúpulos, aproveita o que lhe pode proporcionar vantagem para garantir sua vida futura.

E é aqui onde encontramos a chave de compreensão do relato: como “filhos da luz” precisamos agir de um modo inteligente, utilizando todos os recursos em favor da vida. Quem são nossos “amigos para de-pois”? São os cegos, os excluídos, os pobres em geral. Temos amplas oportunidades de usar o “vil dinheiro” para conquistar estes amigos.  Essa Vida não é outra coisa que as “moradas eternas” de que fala o texto.

A parábola e as sentenças a seguir trazem à tona a questão da riqueza no caminho espiritual, com um destaque fundamental: diante do risco de absolutizá-la (endeusá-la), requer-se lucidez (astúcia) para usá-la como instrumento a serviço da vida. O risco é grande e tem uma dupla fonte: a necessidade de segurança e o caráter vazio do ego. Na realidade, as pessoas não buscam o dinheiro, mas a sensação de segurança associada a ele. Porque podemos prescindir do dinheiro, mas não da segurança. Ora, enquanto busquemos a segurança no “ego inflado”  será impossível alcançá-la. Porque o ego é vazio, essencialmente inconsistente e, por isso mesmo, radicalmente incapaz de sustentar-nos. Absolutizar o dinheiro é sintoma de permanecer identificados com o ego e fechados na ignorância.



O mais característico do ego é dizer “meu”. E onde se diz “isto é meu”, a visão se estreita e o comportamento se faz ego-centrado. A divinização do dinheiro não é nada mais que a divinização do ego. Desde que o primeiro ser humano da história disse “isto é meu”, fez surgir a rivalidade entre os homens e a luta por ter. O dinheiro representa a capacidade de ter coisas. Mais dinheiro, mais coisas, até que a ânsia de ter coisas se converte em uma dependência doentia (vício). É possível que esta seja a dependência mais antiga da humanidade (“afeição desordenada”). Ela é a origem das guerras, ódios, vinganças, violências, roubos, enganos, mentiras, abusos, injustiças, dominação sobre os outros, etc.

Assim chegamos a classificar os seres humanos em duas categorias: ricos e pobres. Mais ainda, temos associado a felicidade com o ter. Consideramos feliz quem tem, e quem não tem é um infeliz. O ter se converteu, sobretudo nesta sociedade de consumo, em um princípio categórico de vida. Isto nos conduziu a uma desigualdade, cada dia mais escandalosa, tanto no nível pessoal como social, o qual faz crescer as fontes de conflitos de todo tipo. Com a passagem dos anos comprovamos como, longe de alcançar mais igualdade e mais equilíbrio social e pessoal, acontece justamente o contrário.

Sem reverter esta tendência é impossível construir um mundo em equilíbrio onde haja um mínimo de justiça, de paz verdadeira, de igualdade e de direitos humanos básicos para todos os habitantes do planeta.

Quando nossa verdadeira identidade se expande em direção ao outro (eu oblativo), perceberemos o engano de etiquetar algo como “meu” e nos capacitaremos para usar o dinheiro a serviço de todos. “Viver mais simplesmente para que outros possam, simplesmente, viver”. Desse modo, na linguagem da parábola, o “dinheiro injusto” se converte em meio para “ganhar amigos” e ser recebidos nas “moradas eternas”. Porque “eternidade” não faz referência a um futuro projetado indefinidamente. A Vida eterna é a vida plena que experimentamos, aqui e agora, como Presença.

Jesus via muito claramente qual era o verdadeiro futuro para a humanidade, e por isso apela aos seus seguidores para que evitem todo tipo de cobiça; “não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Na sua perspectiva, há uma incompatibilidade radical entre a paixão pelas riquezas e a paixão pelo Reino. Não é possível amar a Deus, isto é, amar a generosidade, a entrega, a solidariedade, a compaixão, a misericórdia, e ao mesmo tempo amar o dinheiro, isto é, amar ou tomar tudo para si, a acumulação que é base de toda injustiça e de todo desamor: fome, violência, exclusão, exploração...

A fidelidade ao Deus único fica interditada e o seguimento de Cristo fica fragilizado. Aquele que centra sua vida no apego ao dinheiro, põe ali seu coração, seu interesse, sua força e sua afetividade. O dinheiro tem um tal poder de atração que ele se torna rival de Deus. Como todo ídolo, o dinheiro provoca o fascínio, a adoração e as identificações mais perniciosas. O apego aos “bens” apresenta-se como uma das tentações mais poderosas para todo seguidor de Jesus. O dinheiro satisfaz desejos, dá segurança, confere prestígio, seguramente fama e, acima de tudo, abre portas, soluciona problemas e concede poder.

Sabemos das conseqüências que a sedução do dinheiro exerce e da capacidade que ele tem de obscurecer e distorcer percepção correta da realidade. A afeição ao dinheiro gera autossuficiência e distorce o sentido criatural do ser humano. A pessoa movida pela ânsia do dinheiro e fundamentada nele, não necessita da mão amorosa e providente de Deus. O dinheiro é o suporte de suas seguranças e autossuficiências.

O dinheiro distorce a visão do ser humano sobre si mesmo e sobre as demais coisas criadas. A pessoa deixa de entender-se como dom de Deus, não percebe mais a sua vida como graça recebida; portanto, já não é mais capaz de reconhecer a presença e a atuação de Deus, que a sustenta a cada instante. Deus não é reconhecido como o Senhor que a cuida através de Seu amor providente. O dinheiro também distorce a percepção das outras pessoas, pois fecha o coração à generosidade. O desejo de dinheiro é competitivo, pois é satisfeito à custa da exploração de outras pessoas.

Enfim, o dinheiro só perde seu poder maléfico quando, quem o possui, exerce o senhorio de si e o coloca no fluxo da dinâmica do amor, ou seja, na dinâmica da partilha, da comunhão com os demais, especialmente com os que menos tem. E a vida não se ordena enquanto o fator dinheiro, desestabilizador por seu caráter acumulativo e competitivo, não se situa no seu devido lugar. Assim fazendo, ele perde sua condição de senhor, e os bens e posses voltam a ser o que sempre foram: meios para colaborar a que o ser humano atinja a meta de sua vida.

Quando a força do Evangelho possibilita esta consciência, produz-se o saneamento libertador das relações distorcidas e desordenadas para com o dinheiro, e a orientação fundamental da vida passa da “posse” à entrega, do autocentramento à solidariedade, da acumulação ao serviço desinteressado...

Textos bíblicos:  Lc 16,1-13

Na oração:   
-Meu compromisso com o Reino afeta meu “bolso”?
-Sei e sinto a força de sedução que o dinheiro exerce e da capacidade que ele tem de atrofiar minha sensibilidade diante da realidade e dos outros?


Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI


Fonte: Catequese Hoje

12 de set. de 2013

O contexto das três parábolas dos perdidos

“Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se dele para 
ouvi-lo” (Lc 15,1)


“Jesus em más companhias”: Esse título expressa de maneira exata o que foi e o que significou a vida de Jesus desde o nascimento até a morte. E ao longo de toda a vida pública viveu continuamente rodeado de pessoas marginalizadas: pobres, pecadores, prostitutas, publicanos, doentes...

Essa conduta de Jesus é descrita nos três versículos introdutórios às três parábolas dos perdidos: Jesus está rodeado pelos marginalizados e excluídos da sociedade, “os cobradores de impostos e os pecadores”, que se aproximam dele para escutá-lo. Se estas pessoas se aproximam  é porque junto a Ele encontram compreensão, compaixão, respeito, acolhida... e, jamais escutam uma reprovação, nem sequer uma desconfiança ou suspeita.

As três parábolas adquirem o caráter de defesa, feita pelo próprio Jesus, do seu modo de vida, do seu comportamento, particularmente do seu relacionamento com os extraviados e excluídos. O Evangelho que Jesus proclama com palavras e ações é a Boa Nova da salvação para os perdidos; e é, ao mesmo tempo, apelo à conversão dirigido aos que se consideravam “justos”, mas se fechavam ao amor e ao perdão.



As três parábolas da misericórdia são, na verdade, as parábolas dos perdidos. O que Jesus quis proclamar ao contá-las foi que o amor, a misericórdia, o perdão e a comunhão são oferecidas por Deus aos “perdidos”. As três parábolas expressam, com uma força insuperável, dois temas particularmente acentuados por Lucas e vinculados entre si: o tema da misericórdia e do perdão oferecidos por Deus a todos os “perdidos”, e o tema da alegria de Deus quando os perdidos são encontrados.

O que escandaliza os destinatários das três parábolas contadas por Jesus, que se consideravam justos e servidores exemplares de Deus, não é propriamente a conduta dos pecadores, mas a conduta de Jesus com relação a eles; Ele permite que os pecadores se aproximem dele, recebe-os de coração aberto, toma a iniciativa de ir ao encontro deles e senta-se com eles à mesma mesa.

Os escribas e fariseus não podiam suportar que Jesus proclamasse que Deus acolhe e perdoa incondicionalmente a todos, que tem um carinho especial, um amor de predileção pelos perdidos; um Deus que vai ao encontro dos perdidos e que transborda de alegria quando os encontra.

Esse Deus “novo” anunciado por Jesus era um Deus “desconcertante”, “escandaloso”, totalmente incompatível com o “deus” legalista dos escribas e fariseus. Por isso, a pregação e o comportamento de Jesus são intoleráveis para eles.

O comportamento de Jesus é uma “parábola viva” do comportamento de Deus com os pecadores. Ao contar as três parábolas, Ele explica e justifica o modo de proceder do Deus Pai-Mãe. As três parábolas nos revelam os sentimentos e as ações do “Abbá de Jesus” que não pode passar sem  os filhos perdidos. Por isso os busca até que os encontra. E os acolhe incondicionalmente quando retornam: sem reprovar-lhes nada, sem pedir-lhes explicações, sem ameaças, sem juízo nem castigo...

A trama das três parábolas desvela e revela a presença de Deus onde nunca imaginávamos encontrá-Lo: junto aos rejeitados e afastados; Ele os acompanhando com sua presença misericordiosa, aproxima-se deles e os convida à festa do seu perdão, libertando-os da sua exclusão e isolamento. Mais ainda, quando Deus encontra os extraviados, exulta de alegria, carrega-os em seus ombros, convoca todos para poderem se alegrar com Ele, e organiza um banquete festivo.

As três parábolas condensam toda a história de nossa salvação. Elas contêm a quinta-essência do Evangelho do Reino do Pai proclamado por Jesus, da história do amor de Deus para com a humanidade. Justamente por serem o Evangelho condensado, estas parábolas contadas por Jesus devem ser incessantemente ouvidas e contempladas por todos nós. E depois de contempladas e experimentadas, devemos contá-las, proclamá-las e testemunhá-las, sempre de novo, a todos os homens e mulheres que Deus ama.

Elas são as parábolas da nossa vida, da nossa história, de cada um dos nossos caminhos. Elas são, enfim, as parábolas da nossa origem e do nosso destino. Assim é o Deus em quem nós cremos. Não vale a pena parecer-se com o Deus de Jesus?

Esta é a experiência de Deus que Jesus comunica em suas parábolas mais comovedoras, e a que inspira toda sua trajetória profética. Certamente, as “três parábolas dos perdidos” são as mais belas, as que Jesus mais trabalhou, e provavelmente as que mais repetiu, para contagiar as pessoas com a experiência de um Deus compassivo.

Jesus viveu e comunicou uma experiência sadia de Deus: Ele não projetou sobre o rosto de Deus, medo, juizos, fantasmas… que todas as religiões costumam projetar em Deus. Jesus não  experimenta Deus por cima ou à margem da história humana do sofrimento e da exclusão. Ele sente e vive a realidade insondável de Deus como um mistério de compaixão. O que define a Deus não é o poder senão suas entranhas maternais de Pai.
A compaixão é o modo de ser de Deus, sua maneira de olhar o mundo e de reagir diante de suas criaturas.

Jesus repete sempre: “sede compassivos como vosso Pai do céu é compassivo”, e introduz um horizonte totalmente novo na história da humanidade. Jesus não nega a santidade de Deus, mas deixa claro que, o que qualifica e define o Deus santo é sua compaixão; Deus é grande, é santo, não só conosco; Ele não porque rejeita os pagãos, os pecadores e os impuros, precisamente porque em seu coração santo cabem todos. Deus não exclui ninguém; todo aquele que dele se aproxima será acolhido, Deus ama sem excluir ninguém. 

A compaixão de Deus é descrita por Jesus não simplesmente para nos mostrar como Deus está pronto a sentir por nós ou a perdoar nossos pecados e nos oferecer uma vida nova e felicidade, mas também a nos convidar a nos assemelhar a Deus e a mostrar a outros a mesma compaixão que Ele tem por nós. Vemos agora que as mãos que perdoam, consolam, curam e oferecem uma refeição festiva tem de ser as nossas.

O Deus da compaixão é o Deus que se oferece a si mesmo como referência e modelo para todo o comportamento humano. É essa a pedagogia do Deus Pai-Mãe: ensinar a ver as coisas não a partir do moralismo da perfeição, mas da compaixão. À luz da parábola de Jesus, pode-se chamar humano somente quem é compassivo, indulgente, misericordioso. Quem tem a coragem de aceitar a própria fragilidade e fracasso.

Texto bíblico:  Lc 15,1-31

Na oração:  O Deus no qual eu creio é um PAI-MÃE que, desde o início da Criação, tem estendido seus braços numa bênção compassiva, nunca se impondo a quem quer que seja, sempre esperando, nunca deixando cair seus braços em desespero, sempre aguardando que seus filhos voltem e deixem seus braços cansados repousar sobre os seus ombros.
 - Contemplar cada um dos GESTOS do “amor louco”  de Deus por nós.

Pedir a graça:  pedir a graça de sentir sobre nossos ombros as mãos  paternas/maternas de Deus que nos dão
segurança.

Ser pai-mãe: deixar transparecer em nós os traços paternos e maternos de Deus; as mãos que perdoam, consolam, curam, acariciam e oferecem uma refeição festiva devem ser as minhas mãos; contemplar minhas mãos: foram dadas para serem estendidas no direção dos outros, para oferecer a bênção, para socorrer, ajudar...


Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI


Fonte: Catequese Hoje

Um diálogo aberto com não crentes - carta do Papa Francisco

Publicamos abaixo a carta enviada pelo Papa Francisco ao Jornal La Republica e publicada dia 11.09.2013. A carta é uma resposta a indagações feitas pelo Jornalista e ateu Eugenio Scalfari.

É importante para o catequista a reflexão que o Papa faz, sobretudo pela Beleza com que descreve a experiência da fé e a maneira com que o cristão precisa ver os não-crentes.

Eis o texto: 

Ilustríssimo Doutor Scalfari, é com viva cordialidade que, embora somente em grandes linhas, gostaria de tentar com esta minha carta responder à sua, que, a partir das páginas do La Repubblica, o senhor quis me endereçar no dia 7 de julho com uma série de reflexões pessoais suas, que depois o senhor enriqueceu nas páginas do mesmo jornal, no dia 7 de agosto.

Agradeço-lhe, acima de tudo, pela atenção com que quis ler a Encíclica Lumen fidei. Ela, de fato, na intenção do meu amado Antecessor, Bento XVI, que a concebeu e em grande medida a redigiu, e do qual, com gratidão, eu a herdei, é dirigida não somente para confirmar na fé em Jesus Cristo aqueles que nela já se reconhecem, mas também para suscitar um diálogo sincero e rigoroso com aqueles que, como o senhor, se definem como "um não crente há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de Nazaré".

Parece-me, portanto, certamente positivo não só para nós, individualmente, mas também para a sociedade em que vivemos determo-nos para dialogar sobre uma realidade tão importante como a fé, que se refere à pregação e à figura de Jesus. Eu penso que há, em particular, duas circunstâncias que tornam hoje necessário e precioso esse diálogo.

Ele, aliás, constitui, como se sabe, um dos objetivos principais do Concílio Vaticano II, desejado por João XXIII, e do ministério dos Papas que, cada um com a sua sensibilidade e o seu aporte, desde então e até hoje caminharam no sulco traçado pelo Concílio. A primeira circunstância – como se refere nas páginas iniciais da Encíclica – deriva do fato que, ao longo dos séculos da modernidade, assistiu-se a um paradoxo: a fé cristã, cuja novidade e incidência sobre a vida do ser humano, desde o início, foram expressadas precisamente através do símbolo da luz, foi muitas vezes rotulada como a escuridão da superstição que se opõe à luz da razão. Assim, entre a Igreja e a cultura de inspiração cristã, de um lado, e a cultura moderna de marca iluminista, de outro, chegou-se à incomunicabilidade. Chegou agora o tempo, e o Vaticano II inaugurou justamente a sua época, de um diálogo aberto e sem preconceitos que reabra as portas para um sério e fecundo encontro.

A segunda circunstância, para quem busca ser fiel ao dom de seguir Jesus na luz da fé, deriva do fato de que esse diálogo não é um acessório secundário da existência do crente: ao invés, é uma expressão íntima e indispensável dela. Permita-me citar-lhe, a propósito, uma afirmação a meu ver muito importante da Encíclica: como a verdade testemunhada pela fé é a do amor – sublinha-se – "resulta claro que a fé não é intransigente, mas cresce na convivência que respeita o outro. O crente não é arrogante; ao contrário, a verdade o torna humilde, sabendo que, mais do que possuirmo-la nós, é ela que nos abraça e nos possui. Longe de nos enrijecer, a segurança da fé nos põe a caminho e torna possível o testemunho e o diálogo com todos" (n. 34). É esse o espírito que anima as palavras que eu lhe escrevo.

A fé, para mim, nasceu do encontro com Jesus. Um encontro pessoal, que tocou o meu coração e deu uma direção e um sentido novo à minha existência. Mas, ao mesmo tempo, um encontro que se tornou possível pela comunidade de fé em que eu vivia e graças à qual eu encontrei o acesso à inteligência da Sagrada Escritura, à vida nova que, como água que jorra, brota de Jesus através dos Sacramentos, à fraternidade com todos e ao serviço dos pobres, imagem verdadeira do Senhor. Sem a Igreja – acredite-me –, eu não teria podido encontrar Jesus, embora na consciência de que aquele imenso dom que é a fé é custodiado nos frágeis vasos de barro da nossa humanidade.

Ora, é precisamente a partir daí, dessa experiência pessoal de fé vivida na Igreja, que eu me sinto confortável para ouvir as suas perguntas e para buscar, junto com o senhor, as estradas ao longo das quais possamos, talvez, começar a fazer um trecho de caminho juntos.

Perdoe-me se eu não seguir passo a passo as argumentações propostas pelo senhor no editorial do dia 7 de julho. Parece-me mais frutífero – ou, ao menos, é mais natural para mim – ir de certo modo ao coração das suas considerações. Não vou entrar nem na modalidade expositiva seguida pela Encíclica, em que o senhor entrevê a falta de uma seção dedicada especificamente à experiência histórica de Jesus de Nazaré.

Observo apenas, para começar, que uma análise desse tipo não é secundária. Trata-se, de fato, seguindo, além disso, a lógica que guia o desdobramento da Encíclica, de deter a atenção sobre o significado do que Jesus disse e fez, e, assim, em última instância, sobre o que Jesus foi e é para nós. As Cartas de Paulo e o Evangelho de João, aos quais se faz referência particular na Encíclica, são construídos, de fato, sobre o sólido fundamento do ministério messiânico de Jesus de Nazaré que chegou ao seu auge resolutivo na páscoa de morte e ressurreição.

Portanto, é preciso se confrontar com Jesus, eu diria, na concretude e na rudeza da sua história, como nos é narrada sobretudo pelo mais antigo dos Evangelho, o de Marcos. Constata-se então que o "escândalo" que a palavra e a práxis de Jesus provocam em torno dele deriva da sua extraordinária "autoridade": uma palavra, esta, atestada desde o Evangelho de Marcos, mas que não é fácil traduzir bem em italiano. A palavra grega é "exousia", que, literalmente, refere-se ao que "provém do ser" que se é. Não se trata de algo exterior ou forçado, portanto, mas de algo que emana de dentro e que se impõe por si só. Jesus, com efeito, impressiona, surpreende, inova a partir – ele mesmo o diz – da sua relação com Deus, chamado familiarmente de Abbá, que lhe confere essa "autoridade" para que ele a gaste em favor dos homens.

Assim, Jesus prega "como quem tem autoridade", cura, chama os discípulos a segui-lo, perdoa... todas coisas que, no Antigo Testamento, são de Deus, e somente de Deus. A pergunta que mais vezes retorna no Evangelho de Marcos: "Quem é este que...?", e que diz respeito à identidade de Jesus, nasce da constatação de uma autoridade diferente da do mundo, uma autoridade que não tem como fim exercer um poder sobre os outros, mas servi-los, dar-lhes liberdade e plenitude de vida. E isso até o ponto de pôr em jogo a sua própria vida, até experimentar a incompreensão, a traição, a rejeição, até ser condenado à morte, até desabar no estado de abandono sobre a cruz. Mas Jesus permanece fiel a Deus, até o fim.

E é precisamente então – como exclama o centurião romano aos pés da cruz, no Evangelho de Marcos – que Jesusse mostra, paradoxalmente, como o Filho de Deus! Filho de um Deus que é amor e que quer, com todo o seu próprio ser, que o ser humano, cada ser humano, se descubra e viva também ele como seu verdadeiro filho. Isso, para a fé cristã, é certificado pelo fato de que Jesus ressuscitou: não para trazer novamente o triunfo sobre quem o rejeitou, mas para atestar que o amor de Deus é mais forte do que a morte, o perdão de Deus é mais forte do que todo o pecado, e que vale a pena gastar a própria vida, até o fim, para testemunhar esse imenso dom.

A fé cristã crê nisto: que Jesus é o Filho de Deus que veio para dar a sua vida para abrir a todos o caminho do amor. Por isso, o senhor tem razão, ilustre Dr. Scalfari, quando vê na encarnação do Filho de Deus o eixo da fé cristã.Tertuliano já escrevia: "Caro cardo salutis", a carne (de Cristo) é o eixo da salvação. Porque a encarnação, isto é, o fato de que o Filho de Deus veio na nossa carne e compartilhou alegrias e dores, vitórias e derrotas da nossa existência, até o grito da cruz, vivendo todas as coisas no amor e na fidelidade ao Abbá, testemunha o incrível amor que Deus tem por cada ser humano, o valor inestimável que lhe reconhece. Cada um de nós, por isso, é chamado a fazer seu o olhar e a escolha de amor de Jesus, a entrar no seu modo de ser, de pensar e de agir. Essa é a fé, com todas as expressões que são descritas pontualmente na Encíclica.

Ainda no editorial do dia 7 de julho, o senhor me pergunta, além disso, como entender a originalidade da fé cristã, uma vez que ela se articula justamente na encarnação do Filho de Deus com relação a outras fés que gravitam, ao invés, em torno da transcendência absoluta de Deus.

A originalidade, eu diria, está precisamente no fato de que a fé nos faz participar, em Jesus, da relação que Ele tem com Deus que é Abbá e, nessa luz, da relação que Ele tem com todos os outros seres humanos, incluindo os inimigos, no sinal do amor. Em outros termos, a filiação de Jesus, como ela é apresentada pela fé cristã, não é revelada para marcar uma separação intransponível entre Jesus e todos os outros: mas para nos dizer que, n'Ele, todos somos chamados a ser filhos do único Pai e irmãos entre nós. A singularidade de Jesus é pela comunicação, não pela exclusão.

Certamente, segue-se também disso – e não é uma coisa pequena – aquela distinção entre a esfera religiosa e a esfera política que é sancionada no "dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César", afirmada com clareza por Jesus e sobre a qual, laboriosamente, se construiu a história do Ocidente. A Igreja, de fato, é chamada a semear o fermento e o sal do Evangelho, isto é, o amor e a misericórdia de Deus que alcançam todos os seres humanos, apontando para a meta ultraterrena e definitiva do nosso destino, enquanto à sociedade civil e política cabe a tarefa árdua de articular e encarnar na justiça e na solidariedade, no direito e na paz, uma vida cada vez mais humana. Para quem vive a fé cristã, isso não significa fuga do mundo ou busca de qualquer hegemonia, mas sim serviço ao ser humano, a todo o ser humano e a todos os seres humanos, a partir das periferias da história e mantendo desperto o senso da esperança que impulsiona a fazer o bem apesar de tudo e olhando sempre além.

O senhor me pergunta também, na conclusão do seu primeiro artigo, o que dizer aos irmãos judeus acerca da promessa feita a eles por Deus: ela foi totalmente esvaziada? Esta é – acredite-me – uma interrogação que nos interpela radicalmente, como cristãos, porque, com a ajuda de Deus, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, redescobrimos que o povo judeu ainda é, para nós, a raiz santa a partir da qual germinou Jesus. Eu também, na amizade que cultivei ao longo de todos esses anos com os irmãos judeus na Argentina, muitas vezes na oração interroguei a Deus, de modo particular quando a mente ia ao encontro das recordações da terrível experiência do Holocausto. Aquilo que eu posso lhe dizer, com o apóstolo Paulo, é que nunca falhou a fidelidade de Deus à aliança feita com Israel e que, através das terríveis provações desses séculos, os judeus conservaram a sua fé em Deus. E por isso, a eles, nós nunca seremos suficientemente gratos, como Igreja, mas também como humanidade. Eles, além disso, justamente perseverando na fé no Deus da aliança, lembram a todos, também a nós, cristãos, o fato de que estamos sempre à espera, como peregrinos, do retorno do Senhor e que, portanto, sempre devemos estar abertos a Ele e nunca nos encastelarmos naquilo que já alcançamos.

Chego, assim, às três perguntas que o senhor me faz no artigo do dia 7 de agosto. Parece-me que, nas duas primeiras, o que está no seu coração é entender a atitude da Igreja para com aqueles que não compartilham a fé emJesus. Acima de tudo, o senhor me pergunta se o Deus dos cristãos perdoa quem não crê e não busca a fé. Posto que – e é a coisa fundamental – a misericórdia de Deus não tem limites se nos dirigimos a Ele com coração sincero e contrito, a questão para quem não crê em Deus está em obedecer à própria consciência. O pecado, mesmo para quem não tem fé, existe quando se vai contra a consciência. Ouvir e obedecer a ela significa, de fato, decidir-se diante do que é percebido como bom ou como mau. E nessa decisão está em jogo a bondade ou a maldade do nosso agir.

Em segundo lugar, o senhor me pergunta se o pensamento segundo o qual não existe nenhum absoluto e, portanto, nem mesmo uma verdade absoluta, mas apenas uma série de verdades relativas e subjetivas, é um erro ou um pecado. Para começar, eu não falaria, nem mesmo para quem crê, em verdade "absoluta", no sentido de que absoluto é aquilo que é desamarrado, aquilo que é privado de qualquer relação. Ora, a verdade, segundo a fé crença, é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Portanto, a verdade é uma relação! Tanto é verdade que cada um de nós a capta, a verdade, e a expressa a partir de si mesmo: da sua história e cultura, da situação em que vive etc. Isso não significa que a verdade é variável e subjetiva, longe disso. Mas significa que ela se dá a nós sempre e somente como um caminho e uma vida. Talvez não foi o próprio Jesus que disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"? Em outras palavras, a verdade, sendo definitivamente uma só com o amor, exige a humildade e a abertura a ser buscada, acolhida e expressada. Portanto, é preciso entendermo-nos bem sobre os termos, e, talvez, para sair dos impasses de uma contraposição... absoluta, refazer profundamente a questão. Penso que isso seja absolutamente necessário hoje para entabular aquele diálogo sereno e construtivo que eu esperava no início deste meu dizer.

Na última pergunta, o senhor me questiona se, com o desaparecimento do ser humano sobre a terra, também desaparecerá o pensamento capaz de pensar Deus. Certamente, a grandeza do ser humano está em poder pensar Deus. Isto é, em poder viver uma relação consciente e responsável com Ele. Mas a relação entre duas realidades. Deus – este é o meu pensamento e esta é a minha experiência, mas quantos, ontem e hoje, os compartilham! – não é uma ideia, embora altíssima, fruto do pensamento do ser humano. Deus é Realidade, com "R" maiúsculo. Jesusno-lo revela – e vive a relação com Ele – como um Pai de bondade e misericórdia infinitas. Deus não depende, portanto, do nosso pensamento. Além disso, mesmo quando viesse a acabar a vida do ser humano sobre a terra – e para a fé cristã, em todo caso, este mundo como nós o conhecemos está destinado a desaparecer –, o ser humano não deixará de existir e, de um modo que não sabemos, assim também o universo criado com ele. A Escritura fala de "novos céus e nova terra" e afirma que, no fim, no onde e no quando que está além de nós, mas para o qual, na fé, tendemos com desejo e expectativa, Deus será "tudo em todos".

Ilustre Dr. Scalfari, concluo assim estas minhas reflexões, suscitadas por aquilo que o senhor quis me comunicar e me perguntar. Acolha-as como a resposta tentativa e provisória, mas sincera e confiante, ao convite que nelas entrevi de fazer um trecho de estrada juntos. A Igreja, acredite-me, apesar de todas as lentidões, as infidelidades, os erros e os pecados que pode ter cometido e ainda pode cometer naqueles que a compõem, não tem outro sentido e fim senão o de viver e testemunhar Jesus: Ele que foi enviado pelo Abbá "para levar aos pobres o alegre anúncio, para proclamar aos presos a libertação e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos, para proclamar o ano de graça do Senhor" (Lc 4, 18-9).
Com proximidade fraterna,
Francisco

(publicano no Jornal La Republica em 11.09.2013)


Fonte: Catequese Hoje

11 de set. de 2013

Homilia do 24º. Domingo do Tempo Comum – Ano C



Lucas, o evangelista da misericórdia, insiste em mostrar a gratuidade de Deus para com os pagãos e pecadores, fazendo a misericórdia triunfar sobre a justiça. No capítulo 15 de seu evangelho, Jesus conta três parábolas de misericórdia. Para quem Jesus as contou? Não as contou para converter os pecadores, mas para dar uma lição àqueles que se consideravam justos. Enquanto as pessoas de má vida vinham até Jesus para escutá-lo, os doutores da religião da época o desprezavam. Jesus era questionado porque partilhava a refeição com pecadores: “recebe pessoas de má vida!” Os que se consideravam puros questionavam a atitude de Jesus. São estes os principais destinatários das parábolas de misericórdia. Entre as parábolas, merece destaque a parábola do Pai misericordioso. Destaco na reflexão a atitude de cada personagem da parábola.

O filho mais novo é o símbolo do pecador, que não se contentando em estar na casa do Pai, pede a sua parte na herança. Mesmo a herança só podendo ser dividida com a morte do Pai, o mesmo a entrega para o seu filho que irá esbanjar todos os bens recebidos. Tinha ele o sonho de autonomia, de liberdade, de felicidade longe da casa do pai. Tudo isso não passava de ilusão. O pecado, portanto, é o mau uso da herança e da liberdade (falsa liberdade), é o afastamento da casa paterna. Da distância do Pai veem as consequências: esbanjando tudo o que tinha, come as lavagens dos porcos e cai em si mesmo: “Quantos empregados do meu Pai têm pão com fartura? Vou voltar...” Reconhecer o pecado, ponto de partida: “... a mim, que antes blasfemava, perseguia e insultava. Mas encontrei misericórdia...” (Tt 1,13). O filho pródigo dá o passo fundamental: reconhece o seu pecado, reconhece as perdas de sua vida, é humilde para reconhecer, sente a falta da casa do Pai, propõe a si mesmo um retorno humilde, sem merecimentos.

O Pai misericordioso reflete a atitude de Jesus, que come e bebe com os pecadores. O Pai fica esperando o seu filho. Talvez não acreditasse mais na sua vinda com tanta confiança, mas o espera, pois Deus nunca se esquece do seu filho. Quando o vê se adianta, movido de compaixão, se lança ao pescoço de seu filho. Não deixa o filho completar o discurso, pois as palavras não cabem em sua misericórdia. Apressa-se em trazer o novilho para a festa da comunhão, em devolver a dignidade com as sandálias, em evidenciar a filiação trazendo-lhe um anel ao dedo. O Pai não quer castigar, nem repreender. Ama com gratuidade e, por isso, não faz discurso sobre os pecados de seu filho, apenas mostra todo o seu amor, toda a sua misericórdia, que se traduz em afeto, em carinho.

A atitude do filho mais velho é a mais interessante para uma reflexão. Aqui se encontra o ensinamento de Jesus aos seus interlocutores (fariseus e escribas). A imagem do filho mais velho ilustra bem a atitude do hipócrita, daquele que não se alegra pelo pecador que volta para casa. Aquele que nunca fez festa com o pai, não compreende a festa do filho mais novo que reconheceu a grandeza da misericórdia de Deus. É a imagem daqueles que nunca saem da Igreja devem estar atentos para não deixar de desfrutar da festa de Deus, da alegria de ser cristão, desprezando aqueles que experimentam o Deus de amor e bondade. Este filho rancoroso se considera puro e perfeito: “Eu jamais desobedeci a qualquer ordem tua”. É o risco de um cristianismo de normas que só serve para trazer o alívio para a consciência. A atitude farisaica do cumprimento fiel é ainda muito frequente: os que se consideram puros estão tão preocupados com sua santidade que não tem energia para fazer o bem a comunidade e a sociedade. Santos que não deixam os pecadores se aproximar, que estão prontos para julgar, para apontar o dedo, para excluir. Numa comunidade farisaica não há espaço para os novos, para os jovens, para os convertidos, para novos agentes de pastoral. São estes os filhos que esbanjaram tudo, que não merecem a alegria da festa. Festa esta que nem sempre faz parte da alegria de quem se considera melhor do que os demais.

Jesus nos ensina a lição da gratuidade, da misericórdia, da superação dos julgamentos. Ensina a verdadeira imagem de Deus, ensina o caminho de quem se extravia e tem a graça de retornar à casa paterna. Jesus nos ensina a sermos misericordiosos, pois seria muito triste experimentarmos a graça do amor e da alegria, a bondade acolhedora de Deus e, depois, tornarmo-nos duros e exigentes em relação aos irmãos.


Que paradoxo... Os pecadores encontram a Deus, enquanto os justos ainda estão o procurando. Os entendidos em religião não o acolhem, mas as prostitutas e ladrões são tocados pelo seu amor. Eu e você somos convidados a fazer a festa no banquete da misericórdia.



Pe. Roberto Nentwig

Fonte: Blog Catequese e Bíblia

8 de set. de 2013

Como Jesus Tratava os Diferentes

 


Uma das grandes funções da catequese é ajudar a fazer uma leitura bíblica que não seja compartimentada, que veja as orientações da Escritura dentro do conjunto maior da evolução da mensagem. Textos escritos em uma determinada época vão refletir as preocupações do povo com o que acontecia no momento. É possível que, em outra situação, o texto bíblico aponte para algo diferente, porque o contexto mudou e porque, pedagogicamente, Deus faz a mensagem evoluir junto com a compreensão do possível leitor. Isso não é relativizar a Bíblia, é vê-la dentro do processo de encarnação em que foi composta. Assim temos, por exemplo, textos como  Dt 5,9-10, dizendo que Deus vai castigar a culpa dos pais nos filhos e Ez 18,20 (entre outros), afirmando que cada um só será responsabilizado por seus próprios atos. Da mesma forma, temos muitos textos bíblicos que ordenam distância do estrangeiro, visto como perigo para a pureza da fé, e outros que mandam tratar bem o estrangeiro.

Há até estrangeiros valorizados como bons servidores do povo, como a moabita Rute, que vai ser bisavó de Davi, e Ciro, o conquistador estrangeiro que permite o retorno dos que estavam exilados na Babilônia.

Nos evangelhos, vemos Jesus em contato com dois grupos que podem ser colocados sob o título de “diferentes” em relação ao judaísmo oficial: os samaritanos e os romanos.

Os samaritanos estavam mal vistos desde o exílio. Os sacerdotes e outros membros influentes do povo haviam sido deportados. Os que permaneceram na terra eram os trabalhadores menos instruídos, necessários ao cultivo do solo, que estão na origem do grupo dos samaritanos. Sem apoio e instrução religiosa, misturaram-se aos povos vizinhos e perderam o que, aos olhos das autoridades, era considerado “pureza da fé”. Por isso foram rejeitados quando, depois da volta dos exilados, se ofereceram para ajudar na reconstrução do templo. 

E como Jesus trata esses samaritanos? É fácil perceber que no evangelho são mencionados os samaritanos quando se quer dizer que o que conta mesmo é uma atitude correta. Jesus conversa com a samaritana, que o reconhece como profeta, quer saber sinceramente como se deve adorar Deus e depois faz outros samaritanos acreditarem nele.

Na cura dos dez leprosos, é samaritano o que vai ser elogiado porque foi capaz de voltar para agradecer. A famosa parábola do socorro ao homem ferido, caído na estrada, gerou o termo “bom samaritano”, que é usado até hoje, mesmo entre os que não são muito religiosos, como sinal de caridade e atenção ao próximo.

E os romanos? Esses podiam até ser considerados inimigos: dominavam o povo exigindo impostos, tinham outra religião, crucificaram Jesus. Mas o evangelho nos mostra um centurião romano procurando Jesus para curar seu empregado e sendo depois elogiado quando Jesus lhe diz: “em ninguém em Israel encontrei tanta fé” (Mt 8,10). Outro centurião romano, junto com os que foram seus parceiros na tarefa de crucificar Jesus, foi o primeiro a proclamar (antes mesmo dos apóstolos, que duvidaram dos primeiros testemunhos da ressurreição) que “este era verdadeiramente Filho de Deus.” (Mt 27, 54)

Essa postura de Jesus pode ser resumida na afirmação que encontramos em Mateus 7, 21: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor! Senhor!’ entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus.”.

Trabalhando esses textos, a catequese tem uma boa oportunidade de educar para a superação de preconceitos, mostrando que ninguém deve ser julgado por um rótulo mal visto, mas é preciso considerar o valor de cada um a partir de suas ações, de suas atitudes. No caso dos samaritanos, isso nos faz pensar em pessoas que um dia tiveram estiveram próximas e depois se separaram e se diferenciaram por circunstâncias históricas. Em se tratando dos romanos, estão em cena religiões diferentes. Hoje a Igreja nos convida e entrar em bom relacionamento com cristãos de outras Igrejas, reconhecendo o que neles houver de bom, percebendo o que temos em comum. Em relação a outras religiões, ela nos pede um diálogo respeitoso, que procura ver sinais da ação de Deus também no outro.

Educar para o diálogo com o diferente é algo que a catequese pode fazer como preparação de campo para o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Mas será também um instrumento para a construção da paz e do intercâmbio frutuoso de boas ideias de um modo mais geral porque assim cada um estará sendo capacitado para lidar com a diversidade de maneira mais fraterna e construtiva. 



Therezinha Cruz 

7 de set. de 2013

Jejum da Igreja

O conceito de jejum não exige que você passe fome


Assim é chamado o tipo de jejum prescrito para toda a Igreja e que, por isso, é extremamente simples, podendo ser feito por qualquer pessoa.
Alguém poderia pensar que esse seja um jejum relaxado ou que nem seja realmente jejum, porque ele é muito fácil. Mas não é bem assim.
Esse modo de jejuar vem da Tradição da Igreja e pode ser praticado por todos sem exceção, sendo esse o motivo porque é prescrito a toda a Igreja.
O básico desse tipo de jejum é que você tome o café da manhã normalmente e depois faça apenas uma refeição - almoçar ou jantar -, a depender dos seus hábitos, de sua saúde e de seu trabalho. A outra refeição, a que você não vai fazer, será substituída por um lanche simples, de acordo com as suas necessidades.
Dessa maneira, por exemplo, se você escolher o almoço para fazer a refeição completa, no jantar faça um lanche que lhe dê condições de passar o resto da noite sem fome.
O conceito de jejum não exige que você passe fome. Em suas aparições em Medjurgorje, a própria Nossa Senhora o repetiu várias vezes. Jejuar é refrear a nossa gula e disciplinar o nosso comer.
O importante, e aí está a essência do jejum, é a disciplina, e é você não comer nada além dessas três refeições. O que interessa é cortar de vez o hábito de "beliscar", de abrir a geladeira várias vezes ao dia para comer "uma coisinha". Evitar completamente, nesse dia, as balas, os doces, os chocolates e os biscoitos. Deixar de lado os refrigerantes, as bebidas e os cafezinhos.
Para quem é disciplinado - e muitos de nós o somos -, isso é um jejum, e dos "bravos"! Nesse tipo de jejum, não se passa fome. Mas como "a gente" se disciplina; como refreia a gula! E é esta a finalidade do jejum.
Qualquer pessoa pode fazer esse tipo de jejum, mesmo os doentes, porque água e remédios não quebram jejum. Se for necessário leite para tomar os remédios, o jejum não é quebrado, pois a disciplina fica mantida. Para o doente e para o idoso, disciplina mesmo talvez seja tomar os remédios e tomar corretamente.

Padre Jonas Abib

Fonte: Canção Nova